Estudo revela existência de padrões genéticos distintos entre duas espécies de camarões-fada em charcos temporárias
O camarão-fada e as suas características únicas
Já alguma vez ouviu falar de charcos temporários? Estas zonas húmidas de água doce, são habitats únicos, expostos a condições ambientais extremas, em que períodos de encharcamento alternam com períodos de seca. Devido à sua natureza, estes habitats hospedam espécies que desenvolveram características específicas para fazer face a estas condições.
Os camarões-fada (Crustacea: Branchiopoda: Anostraca) são habitantes característicos destes ambientes únicos, que produzem ovos (cistos) resistentes à dessecação. Estes cistos são ovos cujo desenvolvimento embrionário fica suspenso(diapausa)durante os períodos de seca. Estes cistos permanecem no solo e virão a eclodir em fases seguintes de encharcamento. Durante estes períodos húmidos, apenas uma parte dos cistos eclodem, dando origem à população ativa, enquanto outra parte deste banco de cistos permanece em repouso (adormecidos) no solo, podendo manter-se viáveis durante décadas. Esta estratégia de eclosão assíncrona (espaço entre o nascimento do primeiro e último ovo) pode assegurar a sobrevivência a longo prazo das populações.
Num ambiente imprevisível e em constante mudança, o banco de ovos torna-se um reservatório genético que, devido a esta estratégia reprodutiva, pode produzir populações ativas que são geneticamente distintas e de diferentes momentos reprodutivos separados no tempo. Contudo, esta estratégia não é apenas afetada pela produção de ovos em repouso, eclosão ou perda, mas também pela dispersão espacial dos indivíduos devido a vários fatores como o vento, água, anfíbios, aves aquáticas, etc.
Distribuição das espécies de camarão-fada para análise
Apesar de algumas espécies de camarões-fada estarem amplamente distribuídas, mais de 50% das espécies só são conhecidas em dez ou menos localidades, o que indica que a dispersão é bastante variável entre as espécies. Assim, os nossos investigadores em colaboração com investigadores do Instituto de Ecologia Aquática, MARE/Laboratório Marítimo da Guia e Centro de Ciências e Tecnologias da Água, decidiram investigar a relação entre as diferentes distribuições geográficas e padrões de estrutura genética entre duas espécies deste camarão-fada, em charcos temporários.
Entre 2005 e 2018, os investigadores recolheram amostras das espécies Branchipus. cortesi e Tanymastix. stagnalis, provenientes de charcos temporários mediterrânicos no sul de Portugal, com diferentes distribuições geográficas, mas traços de vida semelhantes. Como a B. cortesi é uma espécie com origem ibérica e a T. stagnalis tem uma distribuição muito mais ampla que vai desde a Escandinávia, Irlanda, do sudoeste da Rússia até ao sul da Europa e norte de África (Argélia), foram acrescentados cinco outros locais de Espanha e França.
Duas espécies de camarões-fada em lagoas temporárias com padrões genéticos distintos
O estudo recentemente publicado e capa de revista da Freshwater Biology, revelou a existência de padrões genéticos distintos entre as duas espécies de camarões-fada em charcos temporários ibéricos. A análise da distribuição geográfica entre estas espécies (Filogenias) indica que a distribuição geográfica de Tanymastic stagnalis é bastante divergente e inquestionável, enquanto a da espécie Branchipus cortesi tem menos divergências e uma correspondência geográfica menos clara.
Como a espécie de T. stagnalis remete ao período Oligoceno, espera-se que estas espécies mais antigas exibam uma maior diferenciação genética entre as populações. Por sua vez, o arrefecimento severo e seca observados no final do Oligoceno na Península Ibérica, pode ter desencadeado um efeito secundário na espécie T. stagnalis, originando dois clades divergentes (grupo de organismos originados a partir de um único ancestral comum exclusivo) nas populações que habitam os limites da distribuição sul portuguesa. No entanto, esta impressão genética já não é observada nas populações portuguesas de B. cortesi, dada a sua origem mais recente durante o Mioceno.
As pequenas diferenças no comportamento dos adultos, traços de vida e morfologia dos cistos de ambas as espécies, podem ainda explicar as diferenças observadas nos padrões filogeográficos (processos que influenciam a distribuição geográfica).
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